A Arte e a Técnica de Contar Histórias
2015-01-23
Texto: Carlos A Henriques
O acto de juntar imagens, plano após plano, tem sido motivo, ao longo dos tempos, para grandes desenvolvimentos técnico-filosóficos, dado residir nele a capacidade de contar, com maior ou menor desprendimento, histórias verídicas ou ficcionadas, através de uma linguagem muito própria, cuja gramática, entretanto solidificada e mundialmente aceite, terá que ser, no mínimo, respeitada.
Qualquer trabalho televisivo ou cinematográfico assenta sempre numa dada ideia a qual terá que ser passada com todo o rigor possível ao papel, através de um tratamento que envolve várias fases como a elaboração do argumento (guião), a rodagem, e, na fase que antecede a distribuição e a edição, a montagem/edição, por alguns denominada de pós-produção.
Normalmente, a rodagem não segue de um modo sequencial o desenrolar da história pela ordem final correspondente à que se apresenta no ecrã, devendo-se tal facto, entre outras razões, a questões de ordem económica, técnica e de oportunidade, o que obriga, numa primeira fase, a uma rigorosa planificação de modo a permitir, na parte final, a junção dos múltiplos pedaços da história, constituindo esta o que normalmente é apelidada por montagem ou edição.
O Arranque
Os primeiros trabalhos elaborados na fase inicial do Cinema, os filmes eram constituídos por um único plano, a que correspondia à captação da imagem com uma única tomada de vista, em que os elementos humanos intervenientes entravam e saiam de cena, tal como acontecia e acontece no teatro, o que conduzia, à época, à abordagem de pequenas e evidentes histórias, pois a gramática da imagem em movimento estava ainda por ser estabelecida.
Com a prática entretanto adquirida este panorama foi sendo rapidamente alterado, o que implicou o desenvolvimento de uma máquina que permitisse fazer, de um modo fácil, a junção entre dois pedaços de filme com recurso a cola (fita), a uma guilhotina, a um sistema mecânico de tracção e à respectiva projecção num pequeno ecrã, permitindo deste modo ao espectador saltitar de um local de observação da cena de um ponto de vista para outro.
A empresa Moviola, pioneira no fabrico e comercialização da primeira mesa de montagem em suporte película, concretamente em 1924, graças à criatividade e engenho do americano Iwan Serruir e de seu filho Mark Serruir, ainda hoje vê o seu nome associado a tão importante avanço técnico.
E no Vídeo? Como foi?
Quando, em 1956, se iniciou o registo de imagem e som de um dado programa em suporte magnético (fita), levantou-se de imediato o problema da montagem do material recolhido.
As aplicações iniciais do videogravador não envolveram qualquer espécie de montagem, dado estas terem sido única e exclusivamente usadas para transmissões em diferido do material recolhido, nomeadamente os jornais informativos, função dos vários fusos horários existentes nos EUA, dado que o “Nine O’clock News” transmitido na costa leste, New York, correspondia às cinco da tarde na Califórnia, portanto fora do tempo e sem a presença dos necessários telespectadores alvo da transmissão.
Antes do aparecimento do suporte videotape, este deferimento era assegurado pela registo em película e a sua difusão hora-a-hora, com as consequentes perdas de qualidade devidas às sucessivas passagens (4) e o risco de a qualquer momento se verificar o corte da transmissão sempre que o filme se partia.
A partir de 1958 desenvolveu-se na Califórnia um sistema de montagem/edição vídeo muito semelhante ao usado com o suporte película, dado que recorria a uma guilhotina e a uma cola especial que permitia fazer a junção da parte da fita cortada no final de uma cena com o início da seguinte.
Apesar das semelhanças, o procedimento operacional de corte e colagem era muito mais crítico dado que as imagens registadas ao não serem visíveis a olho nú levantava o problema de o corte e junção não se verificar no local mais conveniente, o qual deveria ser na zona de extinção da imagem e não no chamado período activo da mesma, caso contrário notar-se-ia a colagem com perturbação visível.
Para se evitar este problema, o corte teria que efectuar-se, rigorosamente, no período de extinção de imagem, o equivalente no filme à estreita barra preta que separa os fotogramas, numa zona constituída por 5 impulsos, conhecidos em gíria por impulsos verticais, cuja ocorrência se verifica durante o período de extinção de campo (field), pelo que teve que ser desenvolvido um processo que tornasse possível a observação do ponto de corte.
Deste modo, a fita era colocada num suporte de alumínio cuja largura era igual à da fita, ou seja, 2” (duas polegadas=5,08cm), sendo depositada sobre esta uma solução de um solvente líquido com um elevado grau de evaporação, o Freon TF, e um pó muito fino de partículas metálicas.
Quando o solvente se evaporava desenhava-se sobre a fita a configuração do sinal registado, tornando evidentes os referidos impulsos verticais, sendo fácil, a partir de agora, a decisão de corte e junção dos planos em causa.
A Entrada da Edição Electrónica
A montagem/edição de vídeo artesanal manteve-se em actividade em todo o mundo durante muitos anos, tendo a RTP feito uso do mesmo até à aquisição de um sistema electrónico que entretanto tinha sido lançado no mercado profissional em 1963.
Com a designação Editec, este editor, desenvolvido pela empresa americana Ampex, a mesma que inventou o gravador de vídeo em suporte fita (videotape), recorria a tons de áudio gravados numa pista auxiliar (cue track) para indicação de entrada e saída dos pontos de corte.
A partir desta primeira experiência de edição electrónica, rapidamente se desenvolveram outros sistemas de edição, cada vez mais rápidos e precisos, contudo, transportando todos eles a carga de uma concepção que, durante muitos anos, retirou à montagem/edição vídeo, as vantagens apresentadas pelas moviolasusadas para editar filme.
Estou a fazer referência ao facto da edição vídeo, de então, ser do tipo linear, o que implicava, em termos de produto final, obter-se um programa de Televisão num suporte magnético em fita, no qual os sucessivos planos e cenas se apresentavam sequencialmente, sem que houvesse a possibilidade, em qualquer fase da montagem, de uma fácil introdução de alterações ao material já editado.
No sentido de se dar uma resposta positiva às necessidades crescentes que o vídeo carecia, teve que se enveredar por uma filosofia completamente diferente, o da edição-não-linear, a qual só passou a ser, de facto, possível a partir do momento em que os computadores entraram em cena, tendo surgido, então, o conceito e edição off-line e o de edição on-line, assim como o aparecimento, no final dos anos 80’, da Avid.
Mas, estas são outras histórias para contar oportunamente.