Uma Questão de Leitura
Texto: Carlos A Henriques
Nota de Abertura
Com o aparecimento das câmaras digitais, usadas tanto no Cinema como em Televisão, e com os sensores CCD e C-MOS a dominarem o campo da transformação da luz em corrente eléctrica, o processo de leitura das imagens passou a ser feito de outro modo, tendo surgido, então, dois sistemas de obturação (shutter) completamente diferentes dos anteriormente usados nas câmaras de 16 e 35 mm (película), sendo estes apelidados de “Rolling Shutter” e “Global Shutter”, que o mesmo é dizer que o efeito de obturação é controlado directamente pelo sensor e não por um dispositivo accionado mecanicamente.
Obturador Mecânico
Mas, como era antes?
A aplicação de um obturador mecânico às câmaras de filmar de 16 e 35mm marcou uma nova era no que respeita ao modo como a luz é conduzida à superfície sensível à luz, assim como a zona impressionável é banhada.
Em termos muito gerais, um obturador não é mais do que um disco rotativo, ou de outra configuração qualquer, com uma abertura por onde passa a luz, sendo este colocado entre a objectiva e a película propriamente dita, o qual, quando está fechado, permite o avanço da película para o próximo fotograma e quando está aberto deixa-se atravessar pela luz.
Com o aparecimento das câmaras electrónicas analógicas, o efeito de obturação, salvo raras excepções, era conseguido à custa da extinção do chamado varrimento entrelaçado das imagens, tanto a nível horizontal (linha), como vertical (campo), que o mesmo é dizer, no final de uma linha ou campo, no instante imediatamente anterior ao retorno para a linha ou campo seguinte, o sinal de imagem era forçado a ir para o potencial 0Volt (0%), o que permitia a passagem à linha ou campo seguinte sem que tal fosse visto no ecrã.
Rolling Shutter
Neste tipo de obturação, normalmente usado em sensores C-MOS, a luz “varre” a superfície fotossensível do elemento transdutor (sensor) de um modo contínuo, de cima a baixo, contemplando apenas, em cada uma das exposições, o espaço correspondente ao ocupado por uma linha ou grupo de linhas de uma imagem.
Rolling Shutter Diagrama Temporal
Dado que os instantes em que os vários elementos de imagem fotossensíveis não coincidem, a imagem final apresenta problemas de vária ordem, nomeadamente as chamadas distorções espaciais, as quais atingem por vezes valores que alteram profundamente a composição de imagem feita caso o objecto a captar apresente movimento linear, circular ou vibratório.
As principais distorções devidas a um movimento rápido da câmara, a uma panorâmica abrupta ou uma velocidade elevada dos elementos em cena, são conhecidas pela designação “wobble” ou “jello effect”, característica apresentada na captação das pás em movimento de uma ventoinha ou de um avião, por “skew”, na qual a imagem em movimento se apresenta inclinada, o “smear”, em que as dimensões dos objectos se alteram face à sua posição na imagem e ainda o problema da exposição parcial.
Na era da tecnologia analógica no Cinema, o modo de exposição da superfície sensível da emulsão da película seguia o principio da obturação “rolling”, porém com uma superfície de exposição muito superior, a qual era função do tipo de obturador usado, ou seja, com maior ou menor ângulo de abertura.
Obturadores Híbridos
Em determinados modelos de câmaras, nos quais a sensibilidade do sensor é pequena, o que vai implicar uma velocidade de leitura relativamente baixa, recorre-se aos dois tipos de obturação, ou seja, ao mecânico e ao electrónico, como acontece com a Alexa da Arri e a F65 da Sony, sendo o resultado final deveras muito melhor, suavizando-se alguns dos problemas inerentes ao principio “rolling” para determinadas velocidades dos objectos a captar como, por exemplo, as pás de um helicóptero.
Esta solução, apesar de ser muito melhor da apresentada pelo “rolling shutter”, tem o inconveniente de recorrer a peças mecânicas, o que vai implicar o aparecimento de vibrações no corpo da câmara e ruídos, assim como um aumento significativo de probabilidades de avarias.
Global Shutter
Contrariamente ao que acontece com o “rolling shutter”, no “global shutter”, normalmente usado em câmaras profissionais equipadas com sensores CCD, o efeito de obturação faz-se sentir de tal modo que a luz proveniente da objectiva da câmara atinge em simultâneo todos os pontos sensíveis à luz presentes no sensor, ou seja, neste processo de obturação há apenas dois estados possíveis, que o mesmo é dizer, ou há a “ocultação” total da luz ou, pelo contrário, esta atinge todos os elementos transdutores de uma só vez, não havendo, por tal razão, motivo para a criação potencial de artefactos de movimento.
Global Shutter Diagrama Temporal
O sistema pode apresentar ainda dois modos diferentes de obturação, que o mesmo é dizer, a exposição da luz a todos os elementos fotossensíveis é feita de um modo abrupto, procedendo-se à correspondente obturação de todos os pontos de uma só vez, ou, então, de um modo gradual, denominando-se o primeiro caso por “hard shutter” e o segundo por “soft shutter”.
Soft Global Shutter
Dado que em ambas as opções não há qualquer elemento móvel em presença, é costume apelidar-se o sistema por obturador electrónico (“electronic shutter”).
Terminado o período de exposição à luz, também conhecido por tempo de integração, procede-se à recolha da informação desenvolvida em cada um dos elementos transdutores, a chamada “readout” (leitura), a que se segue, de imediato, a “limpeza” eléctrica (reset) dos mesmos de modo a ficarem aptos a receberem nova exposição, caso contrário a imagem iria apresentar um arrasto (blur) significativo por sobreposição de exposições.
Verifica-se, deste modo, uma prestação superior do “global shutter” no que respeita à não descontinuidade temporal, à qualidade da imagem nomeadamente à menor presença do “blur” devido ao movimento.
Nota Final
É comum associar-se o “rolling shutter” aos sensores C-MOS e o “global shutter” aos CCD’s, contudo, apesar na grande maioria dos casos haver essa relação directa, tal não é obrigatório, assim como o “rolling shutter” como um mau sistema, sendo o “global shutter” colocado no papel do melhor do mundo.
No “rolling shutter” o look da imagem está mais associado ao Cinema, tal como acontece com a Alexa da Arri, assim como um maior tempo de exposição à luz torna a câmara mais sensível, a que se deve acrescentar uma relação sinal/ruído melhorada.
Porém, a leitura progressiva da imagem pode acarretar inclinação da imagem num dado sentido (skew) ou a quebra desta em sentido contrário.
Uma das grandes vantagens da “rolling shutter” face à “global shutter” tem a ver com o seu baixo custo.